O SONHO
Entrou no quarto fechado…
Era um quarto de brinquedos…
Estava um silêncio calado…
Nesse mundo de segredos…
Empregada, mas menina,
Neste mundo de brincar…
Vestida com uma batina,
Que era pr’a não se sujar…
Na sala o relógio tocava
As horas, em badaladas,
E à mesma hora arrumava
Os brinquedos nas bancadas
Mal tocou na bailarina,
Para ajeitar o vestido,
Ela pôs-se a dançar,
Num salero remexido,
Uma dança singular.
E, com ar doce e macio,
Dançou até terminar
Num bonito rodopio.
Lá a pôs na prateleira
E, depois de a ajeitar,
Ela sorriu prazenteira!
Em dois bonecos, pegou
Astronautas? Pareciam…
No foguetão os poisou
Mas eles dali não partiam
Bem carregou no botão
Até contou ao contrário
Mas o raio do foguetão
Ali ficou, estacionário.
E viu uma outra boneca
Segura por muitos fios
Era uma marioneta
Com ar de fados vadios
Pôs-se a puxar nos cordéis,
Tal como no Circo vira,
Ficou para ali, aos papéis
Toda torta, não admira!
Numa outra prateleira
Dois mimos p’ra ela olharam
E, com ar de brincadeira,
As imitações começaram |
O gesto que um fazia,
Um adeus ou um piscar,
Logo o outro repetia
Sem nunca se enganar.
Ao lado, o gato dormia
Ronronando bem baixinho
Assim que ela lhe mexia
Abria o olho, devagarinho.
Miou para a assustar
Assanhou o pelo todo
Mas deixou-se acariciar
Soube-o levar no engodo
Assustou-se com o urso
Com ar ameaçador
E como arma de recurso
Disse-lhe que era um amor
O urso assim que ouviu
Falar de amor, outrossim,
Os braços enormes abriu
E deu-lhe um abraço sem fim!
E depois daquele abraço,
Que parecia não acabar,
Meteu logo no regaço
As bonecas p’ra limpar
Eram bonecas de trapo
Vestidas de cores garridas
Umas estavam num farrapo
Outras de roupas descosidas
Mas havia outras bonecas
Bem vestidas, elegantes,
Veludo até nas cuecas,
Brocados e diamantes…
Até pareciam princesas
Cheias de pó, as coitadas,
Mas ficaram umas belezas
Assim que foram espanadas
E, quando o relógio tocou,
As horas do fim do dia
Tudo ao seu lugar voltou
Deu-se por finda a Magia.
Raul de Amaral-Marques , Outubro 2018
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